* Lucas Alves de Camargo
Na semana de aniversário do golpe de 1964 surge uma nova polêmica envolvendo a questão militar. Presente desde a proclamação da república, o intervencionismo dos militares tornou-se uma característica da política brasileira, com um breve hiato no recente período republicano. As recentes tentativas de politização do setor, a ampliação da participação de militares no governo e a demissão dos comandantes das forças armadas que relutaram em aceitar a escalada autoritária, reacendem velhas questões, entre elas, as justificativas para a tomada do poder em 1964.
No decorrer dos anos de 1960 o Brasil foi impactado pelo conflito entre os Estados Unidos (capitalista) e a União Soviética (comunista). Atravessado pela guerra fria, o movimento de 1964 deve ser compreendido no interior desse processo. Pela proximidade de seu governo com as centrais sindicais e a utilização das manifestações populares para obtenção de apoio, características herdadas do populismo de Getúlio Vargas, o então presidente João Goulart foi acusado de comunista. Uma construção repetida e propagada para justificar a derrubada do seu governo. Seria aos olhos de um espectador atual uma grande “fake news”: o fazendeiro João Goulart nunca foi comunista.
Ocorre que o governo Goulart se consolidou enquanto reformista e apresentou um projeto de modificações estruturais para o país: As “reformas de base” aliadas ao “plano trienal”, que prometiam reduzir a desigualdade social e modernizar o Brasil. De modo intervencionista, tinham como objetivo reformar os sistemas bancário, eleitoral (voto aos analfabetos e militares de baixas patentes), educacional (valorização dos professores, ensino para os analfabetos) e agrário (democratização do uso das terras). A polêmica central ocorria sobre a possibilidade de o governo comprar pedaços de terras inutilizadas, com crédito de dívida, para distribuir aos pequenos produtores pobres. Ainda, durante o governo Jango se consolidou a extensão dos direitos trabalhistas para os camponeses. Tímidas e superficiais em comparação ao que se propagou, as medidas foram associadas ao comunismo. Para os industriais Jango era percebido enquanto aliado das centrais sindicais e um inimigo de suas pautas econômicas. Tementes à escalada das reformas e o descontrole sobre os trabalhadores urbanos e camponeses, o setor empresarial passou a buscar a derrubada de Jango.
O governo também era pouco apreciado pela parte conservadora da sociedade civil. Seu apelo aos mais pobres, somado ao descontrole da inflação e o baixo crescimento do PIB, geravam a insatisfação dos setores médios, que eram constantemente bombardeados com notícias contrárias ao governo.
Pressionado e incapaz de aprovar suas reformas, Jango buscou mobilizar as massas para obter apoio popular. Esse movimento levou milhares às ruas em diferentes comícios. Cresceu na sociedade uma intensa e perigosa polarização. Em resposta, setores da imprensa, do empresariado e do clero organizaram a “marcha da família com Deus pela liberdade”, que contribuiu para legitimar o golpe perante a opinião pública.
Somado a isso, parte da oficialidade militar passou a condenar o governo pela neutralidade do presidente nas revoltas de sargentos, marinheiros e fuzileiros navais e por fim, pelo seu discurso na sede do Automóvel Clube Brasil direcionado aos militares de baixa patente. Os oficiais passaram a conspirar abertamente contra o regime, defendendo a tomada do poder e o golpismo sobre a alegação de que o governo Jango ocasionava a quebra dos princípios de hierarquia e disciplina das Forças Armadas, já que buscava a politização da base militar.
Esse cenário gerou uma crise institucional irreversível. Com o intenso apoio logístico e econômico dos EUA e dos segmentos mais ricos da população, formou-se o contexto de ruptura democrática. Na fatídica noite de 31 de março de 1964 os militares dirigiram a tomada do poder, um evento que se pensava breve, mas que destruiria a democracia por 21 anos.
* Lucas Alves de Camargo possui bacharelado e licenciatura em “História”, lato sensu em “História, Sociedade e Cultura”, mestrado em “História Social”, titulações conferidas pela PUC-SP; especialização em Gestão Pública pela UNIFESP e licenciatura em Pedagogia pela UNINOVE. Pesquisou a formação do movimento de Direitos Humanos da cidade de Osasco, entre os anos de 1977-1985.